sexta-feira, 22 de junho de 2007

Decreto para conter Favelas

As favelas são como espelhos da sociedade contemporânea. Refletem grande parte das suas contradições, desigualdades e injustiças. São espelhos nos quais poucos desejam mirar-se. Ao contrário, cumpre passar bem longe, e se isso não for possível, se a visão desses aglomerados humanos for inevitável, sente-se compaixão e/ou medo. Para evitar todo esse mal-estar, ora erradicam-se favelas pela expulsão, ora escondem-se atrás de outdoors. De qualquer maneira, os problemas permanecem.

No dia 1 de junho o prefeito de Ribeirão Preto Welson Gasparini assinou um decreto que estabelece ações administrativas para evitar novas construções clandestinas e ilegais nas favelas de Ribeirão Preto. Algumas das favelas da cidade já estão cadastradas e outras em fase de cadastramento e conferência de informações. O objetivo desse decreto é “congelar” esses núcleos de favelas como primeiro passo para o processo de urbanização dessas áreas e desfavelamento.

Foram assinadas, ainda, três portarias que prevêem intervenções urbanísticas e remanejamento de moradores nas favelas do Monte Alegre, onde foram cadastradas 368 moradias, totalizando 1.437 moradores; favela das Mangueiras, com 330 moradias cadastradas e 1.258 moradores e favela de Santa Teresa, onde existem 21 moradias em área de risco eminente, totalizando 44 moradores.

Nesses três núcleos já foram concluídos os levantamentos e estudos necessários. O município conta, atualmente, com 18.119 moradores de favelas, distribuídos em 33 núcleos totalizando 4.002 moradias.

O programa destina-se às favelas que apresentam condições físicas, ambientais, jurídicas e sociais favoráveis à urbanização. A urbanização envolve a regularização da posse da terra, o parcelamento do solo, implantação de infra-estrutura, regularização do traçado de acesso e vias internas. A ação integra o trabalho físico, jurídico e social, envolvendo de modo coletivo a população moradora da favela. A intervenção é feita em etapas e em graus diferenciados, de acordo com as características do local e dos recursos existentes.

O repasse da terra deve se dar, basicamente, através da concessão de direito real de uso ou outra forma discutida com a população. O processo de urbanização deve ser acompanhado do desenvolvimento de um trabalho social, cultural e político que estimule a organização da população local para efetivar sua cidadania.

Mas com esta iniciativa de urbanização das favelas e desalojar famílias que vivem na clandestinidade, vai diminuir a ocupação de novas áreas públicas? Conforme levantamento da Comissão Especial de Estudos de Desfavelamento da Câmara, presidida pelo vereador Gilberto Abreu, foram detectadas outras questões que contribui para este problema, está o aliciamento de trabalhadores de outros estados para esta região com promessa de moradia e ocupação remunerada.

Normalmente essas pessoas são trazidas de cidades distantes, como Maranhão. Sem condições de voltarem para suas cidades de origem, acabando assim residindo em núcleos de favelas em Ribeirão Preto. .

Os impactos negativos dessa urbanização recaem sobre esse homem migrante, que chega em Ribeirão Preto e se vê desqualificado, sem moradia, exposto à marginalização e violência. Esse homem tende a perder seus valores de origem e passa a se ocupar de atividades econômicas mal remuneradas, na construção civil e no trabalho doméstico. São os trabalhadores autônomos responsáveis pelas possibilidades concretas de sobrevivência, embora precariamente.

As conseqüências desta situação são: desemprego, sub-emprego, empobrecimento gradativo, aumento de favelas e cortiços, violência urbana, prostituição precoce, aumento da população de rua .

Podemos encontrar pessoas vivendo em núcleos de favela, todos eles obrigados a encontrar alternativas de moradia, uma vez não ser possível pagar aluguel e nem ter acesso a um terreno ou a casa popular. São áreas públicas, particulares e de preservação ambiental invadidas e/ou ocupadas de forma descontrolada.

Como foi o caso do desempregado José Oliveira Silva, morador da favela Via Norte. Natural de Anajatuba, cidade com uma população de aproximadamente 20.188 habitantes, pensava em ir para São Paulo, para conseguir um bom emprego, ganhar dinheiro suficiente para se manter e enviar para a mulher e os quatro filhos que ficaram na cidade natal, mas a realidade foi outra.

Silva veio para Ribeirão através de um agente (assim é denominado o aliciador) que deu garantia de trabalho e moradia. Trabalhou durante quatro meses em uma grande construção, mas metade do seu dinheiro estava indo para mãos do aliciador que o trouxe e cobrava aluguel pelo alojamento no qual ficava. “Não agüentava mais essa situação, quando sobrava dinheiro, eu me alimentava, quando não ficava com fome. Eu me sentia um escravo” explica.

Assim que acabou a obra, Silva foi despejado do alojamento onde dormia para dar lugar a outro que estava empregado e teria dinheiro para pagar o aluguel. “Foi quando conheci um rapaz que morava na favela da via norte e disse que tinha um barraco vazio, e que eu poderia ficar lá e ir pagando ele conforme eu podia” relembra.

Silva não pretende voltar para a sua cidade natal e esta pensando em trazer sua mulher e seus quatro filhos para morar com ele. “Eu sei da dificuldade de conseguir emprego, mas aqui eu faço alguns bicos, consigo uns trocados e vamos levando. Lá meus filhos passam necessidades, pelo menos aqui o básico, um feijão eu garanto pra eles”.

Ao percorrer algumas favelas de Ribeirão Preto, pode-se perceber que as histórias são parecidas e que a cada dia pessoas chegam com a mesma ilusão. Para tentar inibir esse tipo de problema o presidente da Secretaria da Assistência Social Vereador Nicanor Lopes, ressalta a importância da fiscalização e acrescenta que não há possibilidade de controle do problema, pois não se pode proibir o ir e vir das pessoas. “O trabalho efetivo do órgão de fiscalização geral, será um dos pontos fortes, que vai ajudar a inibir novas ocupações clandestinas e orientar esses trabalhadores que chegam com promessas que normalmente não são verdadeiras. Lembrando que a população também pode contribuir denunciando caso veja ocupações irregulares”, explica Nicanor.

Questionado sobre o decreto que Gasparini assinou, que prevê “congelar” o crescimento das favelas, não podendo apenas com esta atitude resolver um problema que a cidade vem enfrentando há anos, o vereador ressalta. “É claro que não. Este trabalho é a longo prazo e esperamos que a nossa iniciativa, possa ter continuidade nas futuras administrações. Mas com esta iniciativa, damos um passo importante, o nosso foco e a inclusão dessas pessoas, só que para isso, deve-se criar uma disciplina rígida”.

Nicanor explica que se as pessoas souberem que vai ficar mais difícil construir barracos em Ribeirão Preto, conseqüentemente acaba diminuindo a vinda delas para cidade. “Estamos renovando um levantamento que já existia sobre a quantidade de moradores nas favelas. Com isso as pessoas que queiram se aproveitar dessa situação, que não são moradores daquele lugar e acreditam que irão conseguir moradia, vai perder o seu tempo”.

Diante desse quadro é importante ressaltar a urgente conjugação de esforços de todos os setores do Poder Público, da sociedade civil e de entidades não-governamentais para se criar uma política habitacional efetiva, que contemple a desfavelização.

É importante lembrar que o problema habitacional, é antigo e não depende somente de iniciativas de urbanização, projetos e uma efetiva ação por parte das autoridades competentes é apenas um começo, mas não é solução. É interessante como quem está no poder se utiliza de ferramentas no plano ideológico para justificar sua incessante busca pelo reconhecimento, fazendo crer que o desafio a ser enfrentando não é só dele, mas de toda a sociedade.

Para impor seus objetivos por meio do aparelho jurídico e administrativo do Estado, constrói um suporte de legitimação que mostre que os seus próprios interesses são, na verdade, interesses de todos e, principalmente, dos próprios subordinados. Quer garantir, com isso, que as contradições sociais inerentes ao sistema não se interponham sobre a sua evolução econômica.

Nenhum comentário: